Hoje sonhei com ele mãe. Sonhei que era abraçada e amada por Ele. Sim, o mesmo que nos separou. A sua beleza era infinita, e o seu sussurrar majestoso, mas não foi isso que me aprisionou…não…foi a incomparável harmonia das suas ondas, e o brilho incessável que reflectia.
Como pôde ele ser tão cruel para comigo? Como? Sabendo que era Ele a única fonte de todo o meu ódio, como foi capaz de me fazer amá-lo? Mas conseguiu, mesmo comigo lutando com todas as forças para o evitar. Perdoa-me mãe, deves pensar que te traí, mas não…foi todo o meu amor por ti que transformou esta minha viagem numa agonia, numa viagem até às profundezas do meu medo, e aos horrores da minha memória. Apesar de tudo, Ele foi mais forte, embalou-me em seus braços, e pôs fim a todos os medos e rancores, transportando-me para um lugar onde não existe espaço para o Vazio que se instalou em mim com a tua partida. Agora percebo porque outrora o desejaste, mas percebo também, porque o temeste até ao fim. O receio do desconhecido nunca se desvanece por completo, e pergunto a mim mesma se não terá sido esse o teu maior erro, será que por algum momento deixaste de o temer?
Mãe, recordo com eterna saudade, cada momento que passámos juntas, cada ensinamento que me transmitiste, mas temo, que o teu maior receio se tenha concretizado: a única parte de ti que sempre ocultaste, e que só muito depois da tua morte eu consegui identificar, foi talvez a única que ficou verdadeiramente gravada no meu peito, mesmo sem eu própria ter consciência disso. Sim, sei que por nenhum segundo deixaste de o amar, mesmo quando te esforçavas tanto para que eu sentisse o contrário. Entendo, agora, o porquê de tantos segredos, pois foi no meio deles que descobri quem realmente eras, e acredita, que por nenhum momento deixaria de me orgulhar de ti.
Ah… Se me tivesses contado mãe, eu teria poupado todas as noites que passei em branco pensando em todo o tempo que nos foi roubado.
Sei agora, agora que partiste para sempre, que toda a raiva que transbordava no meu peito era vã, porque tu partiste feliz nos braços de quem sempre amaste.
Não há motivos para que eu O odeie, mesmo quando foi ele que levou na tua última viagem, eu sei que até nesse momento o amaste, como eu o amo agora, e já não tenho medo, deixo-me apenas embalar pelas doces marés, pois se esta for a minha última viagem sei que te encontrarei, onde quer que estejas.